A Igreja torna presente, através da Liturgia, o mistério de Cristo morto e ressuscitado. A partir da Ressurreição do Senhor, no primeiro dia da semana, cujo nome é “Domingo”, desenvolveu-se o que chamamos Ano Litúrgico, no qual acompanhamos os eventos de nossa salvação, escutando a Palavra de Deus e participando da Eucaristia. Acreditamos e testemunhamos a fé em Jesus Cristo, senhor da história, aquele que é, que era e que vem. Manifestamos a expectativa do dia glorioso do Senhor, clamando “Vem, Senhor Jesus”, enquanto vivemos a missão de fermentar com o Evangelho de Cristo as estruturas humanas e a vida das pessoas. Trazemos conosco os maiores motivos de alegria, aquela serena e verdadeira, que nada e ninguém pode nos tirar!
Nossa fé se alimenta na contemplação de Jesus Cristo, acompanhando, ano por ano, dois ciclos celebrativos, a saber, o ciclo do Natal e o Ciclo da Páscoa. Não celebramos como quem assiste a espetáculos teatrais, mas recolhemos, com a graça de Deus, os dons que são próprios de cada etapa do ano, desejando colocar em prática seus inesgotáveis ensinamentos, sabedores de que Deus, sempre novo, jamais se repete. Assim, cada etapa da vida cristã nos encontra situados num estágio mais avançado e profundo da fé. E agora, o Ciclo da Páscoa nos traz o tempo de graça chamado Quaresma. Nós o celebramos, através dos sinais litúrgicos e das práticas de vivência do Evangelho, dispostos a oferecer-nos mutuamente e a todas as outras pessoas o testemunho da vida renovada em Cristo.
O olhar da fé se volta para a Páscoa, a ser celebrada dentro de algumas semanas. Até lá, desejamos empreender uma estrada de renovação da vida cristã. Façamo-nos iniciantes no caminho! O ponto de partida é o reconhecimento de nossa condição humana, marcada pela fragilidade e pelo pecado. Um olhar realista indica que sem Deus somos pó da terra. Uma visão pessimista dirá que no final nada sobrará, apenas lembranças de nossa tênue passagem pela vida. Alguns até transformam em convicção e propaganda tal fragilidade, apagando a esperança da eternidade. Bonito é saber que Deus vem ao nosso encontro, com a força da Palavra: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. E o pó da terra se levanta, a esperança desponta, o sentido para a vida triunfa! É a Quarta-feira de Cinzas! E esta se reveste de rosto alegre e provocante, fazendo uma Campanha pela Fraternidade!
Fomos chamados a seguir Jesus, como os discípulos de todos os tempos. O caminho continua, indo com ele ao deserto (Mc 1,12-15), símbolo dos dias da quarentena (Quaresma!). Reconhecemos a condição humana, sujeita à tentação, mas chamada a vencê-la, com a Palavra de Deus acolhida e vivida com retidão. O início da Quaresma nos faz realistas e prontos a vencer os ídolos do poder, do ter e do prazer, que rondam em torno de todas as pessoas humanas.
Quem foi ao deserto, não isolado, mas com Jesus, vê que a sua vida se transfigura, e este é mais um passo na aventura quaresmal. O cristão, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, é chamado a subir ao Monte (Mc 9,2-10), contemplar o mais profundo do segredo de Jesus, sua face gloriosa, compartilhar com as figuras de Moisés e Elias a intimidade da presença do Espírito Santo, envolvente como uma nuvem, e a escuta do Pai que manifesta todo o seu amor por Jesus, aquele que deve ser acolhido e escutado!
Em seguida, a Quaresma nos faz visitar o Templo (Jo 2,13-15), que tinha grande importância para os judeus, centro de sua vida religiosa e sinal da presença de Deus com seu povo. Jesus, tomado de zelo, purifica o Templo. Sua presença quer conduzir as pessoas ao novo Templo, o novo lugar que é ele mesmo, onde acontece o verdadeiro culto ao Pai do Céu. Pode acontecer que também nós frequentemos o lugar sagrado apenas pelos nossos interesses individualistas, mesmo que seja a busca da salvação, sem descobri-lo como lugar de comunhão e gratuidade entre Deus e as pessoas que professam a fé! Deixemo- nos purificar! Onde quer que encontremos eventuais restos de edificações destruídas, recolheremos os pedaços para realizar a profecia: “Quando o invocares, o Senhor te atenderá, e ao clamares, ele responderá: Aqui estou!” (Is 58, 9-12).
Mais adiante, Nicodemos (Jo 3,14-21) será nosso companheiro de Quaresma. Com ele, somos chamados a olhar para o alto – Cristo Crucificado – e para frente – Cristo ressuscitado! Jesus mesmo lhe mostra que a Cruz será o lugar da glorificação. Há um risco em nosso tempo de nivelar tudo na altitude zero, sem projetar grandes ideais, sem sonhos de perfeição, considerando todas as atitudes e opções como indiferentes. Podem parecer até ingênuas estas estradas do Evangelho, mas, sem elas, ninguém vai para frente e nem alcança os cumes da verdadeira realização, cujo nome verdadeiro é salvação. A escolha é nossa, nesta Quaresma!
Depois, somos apresentados a algumas figuras simpáticas, estrangeiros que querem ver Jesus (Jo 12,30-33). Gente de longe, em que estão todas as pessoas que acorrem a Jesus, e nós estamos incluídos, até que ele venha! Compartilhando o “sonho de Deus”, queremos ver muita gente afastada se aproximar, encontrando o regaço acolhedor da Mãe Igreja, no qual as pessoas são reconhecidas pelo nome, recebem o carinho que lhes é devido e são tratadas com misericórdia. Não nos recusemos a aproximar tais pessoas de Jesus. Queremos ver Jesus junto com quem perdeu a fé. Algumas delas chegaram a este ponto pela falta de testemunho coerente que as atraísse. Outras estão num emaranhado de questões internas a serem respeitadas, mas que as lançam num verdadeiro beco sem saída. Saibamos dizer-lhes “Venham!” Sonhamos com as pessoas revoltadas com a vida, com seus familiares e com Deus. Pensamos naqueles que se tornaram intratáveis, afastados de tudo e de todos, jogados num canto, morando sozinhos, totalmente isolados. Vamos a elas, como exercício de preparação para a Páscoa.
Está aberta a temporada de conversão, graça e vida na Quaresma!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL