A Renovação Carismática no Brasil .
No Brasil a Renovação Carismática teve origem na cidade de Campinas, SP, através dos padres Haroldo Joseph Rahm e Eduardo Dougherty.
Os rumos que a Renovação Carismática tomará a partir de Campinas serão diversos, expandindo-se rapidamente pela maioria dos Estados brasileiros. Entre algumas informações disponíveis encontramos as de Dom Cipriano Chagas que registra:
– Em 1970 e 71 iniciou-se a Renovação em Telêmaco Borba, no Paraná, com Pe. Daniel Kiakarski, que a conhecera nos Estados Unidos também em 1969.
– Em 1972 e 1973 Pe. Eduardo, de novo no Brasil, deu vários retiros e iniciou grupos de oração. Assim foi, por exemplo, em Belo Horizonte, em 1972, com um grupo pequeno de 8 ou 9 pessoas.
– Em janeiro de 1973 o Pe. George Kosicki, CSB, que havia muito participava ativamente da Renovação nos Estados Unidos, veio a Goiânia para um retiro carismático de uma semana. A ele compareceram D. Matias Schmidt, atual bispo de Rui Barbosa, na Bahia, e vários padres e religiosas, que iriam iniciar grupos de oração em Anápolis, Brasília, Santarém, Jataí, etc.
– Em 1973, perto de Miranda, no Mato Grosso, um pequeno grupo começou a ler o livro Sereis Batizados no Espírito e a rezar pedindo o dom do Espírito. Um mês mais tarde veio a eles o Pe. Clemente Krug, redentorista, que conhecera a Renovação em Convent Station, New Jersey; orando com eles, receberam o “batismo no Espírito” e o dom de línguas.
– Em geral, pois, pode-se dizer que os grupos de oração surgidos em inúmeras cidades do Brasil tiveram sua origem seja nas “Experiências de Oração no Espírito Santo” do Pe. Haroldo Rahm, SJ, seja nos retiros dados pelos padres Eduardo Dougherty, SJ e George Kosicki, CSB.
– Em vista da extensão que tomava a Renovação no Brasil, o Pe. Eduardo Dougherty, sentindo a necessidade de uma melhor organização, preparou com o Pe. Haroldo Rahm e Irmã Juliette Schuckenbrock, CSC, um encontro de fim de semana em Campinas, que foi o I Congresso Nacional da Renovação Carismática no Brasil em meados de 1973, ao qual compareceram cerca de 50 líderes, para discernir a obra do Espírito Santo no Brasil.
– Em janeiro de 1974 foi realizado o II Congresso Nacional da Renovação Carismática, comparecendo lideres de Mato Grosso, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, São Paulo, etc.
Em outras regiões a Renovação Carismática começa a crescer, a partir de 1974: no Norte a diocese de Santarém com Frei Paulo, em Anápolis, no Centro Oeste, com Frei João Batista Vogel, no Sul de Minas, com Mons. Mauro Tommasini na Aquidiocese de Pouso Alegre. Também colaboram como divulgadores: Pe. Schuster, Dr. Jonas e Sra. Imaculada Petinnatti, Peter e Ingrid Orglmeister, D. Cipriano Chagas, Pe. Alírio Pedrini, Frei Antônio, Ir. Tarsila, Maria Lamego, Ir. Stelita.
No início, a Renovação atingiu os líderes já engajados em movimentos como Cursilho, Encontros de Juventude, TLC, etc, e foi se ampliando gradativamente como uma nova “onda” de evangelização com identidade própria(5).
Em 1972, Pe. Haroldo escreve o livro Sereis batizados no Espírito(6) , onde explica o que vem a ser o “Pentecostalismo Católico”. Sendo uma das primeiras obras publicadas no país sobre o movimento, trazia orientações para a realização dos retiros de “Experiência de Oração no Espírito Santo”, que muito colaboraram para o surgimento de vários grupos de oração.
Para B. Carranza, o livro representou uma alavanca para a difusão da Renovação Carismática, do mesmo modo como o foi, nos EUA, o livro A cruz e o punhal. Além disso, tendo recebido o Imprimatur de Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, bispo de Campinas na época, significou a legitimação da Renovação Carismática Católica para seu crescimento.
Pe. Haroldo foi o responsável em divulgar a Renovação para muitos dos que viriam a se tornar suas lideranças. A adesão de Padre Jonas Abib, logo no início deu um grande impulso para a Renovação.
Pe. Jonas Abib assim relata como veio a conhecê-la, através do Pe. Haroldo, durante um período em que passava por dificuldades em seu ministério, em Lorena, São Paulo:
Padre Haroldo veio no dia 2 de novembro de 1971. Falou-nos a respeito do que Deus estava fazendo no mundo por meio da Renovação Carismática Católica. Explicou-nos sobre a Efusão do Espírito Santo; o que eram os dons do Espírito Santo (…).
Realmente não entendi bem o que era a Renovação Carismática Católica; também não entendi o que era Efusão do Espírito nem mesmo os Dons. Porém, desejei do fundo do coração. Entendi que era o que me faltava!
Houve uma missa. No final, Padre Haroldo, ainda na sacristia, disse a nós, padres, que, se quiséssemos, ele iria impor as mãos sobre cada um, pedindo a Efusão do Espírito Santo. Ficamos sem jeito; mas pior seria dizer que não … aceitamos! (…).
O que aconteceu com os outros eu não sei; sei o que aconteceu comigo. (…) naquela noite, comecei a orar como nunca tinha orado antes. Nem era ainda a oração em línguas; o que acontecia era que a oração vinha de dentro. (…) Eu não saberia explicar. O que sabia é que antes me faltava alguma coisa, que eu pensava ser a fé; porém, o que faltava agora não faltava mais. O vazio que existia estava inteiramente preenchido.
(…) um mês e meio depois, já no começo de 1972, fui a Campinas, em São Paulo, com dez jovens (…). Tivemos a oportunidade de fazer uma “Experiência de Oração” com Padre Haroldo, na Vila Brandina. Lá comecei a entender o que era a Renovação Carismática Católica, a Efusão do Espírito Santo e seus Dons. Melhor ainda: entendi o que tinha acontecido comigo.
Naquele mesmo ano estávamos começando as Experiências de Oração no Espírito Santo, em Lorena.
A partir de 1980, a Renovação Carismática consolidou-se institucionalmente, espalhando-se por todo o território nacional, vindo a ocupar um espaço significativo na mídia, seja como objeto de notícias, seja como usuária dos meios de comunicação social.
Em 1980, Pe. Eduardo Dougherty fundou a Associação do Senhor Jesus (ASJ). Partindo da venda de material religioso, tal como livros de formação e de cânticos, tendo em vista atingir a realização de programas de TV. Logo em seguida foi criado o programa “Anunciamos Jesus”, que em 1986, já cobria através de três redes de TV, 60% do território nacional. A partir de 1990, a ASJ fundou o Centro de Produções Século XXI, que possui três grandes estúdios de TV, na cidade de Valinhos, São Paulo. Atualmente, possui um sistema televisivo próprio com objetivo de, em médio prazo, estar com retransmissoras em todas as regiões do Brasil.
Também se destaca nos meios de comunicação a Comunidade Canção Nova. Iniciada em 1974 na cidade de Lorena, a Comunidade adquiriu em 1980, em Cachoeira Paulista, uma Rádio e mais adiante, em 1989, conseguiu uma concessão de TV. Através da Fundação João Paulo II, a Rede Canção Nova TV é o canal católico que mais cresce no Brasil, possui retransmissoras em todas as Regiões do país, estando também presente na Itália e Portugal.
É também a partir de 1990 que acontece a grande “explosão” da Renovação Carismática que atinge milhões de brasileiros. Antônio F. Pierucci e Reginaldo Prandi, por ocasião das eleições de 1994, realizaram um levantamento quantitativo sobre a Renovação Carismática no Brasil (Tabela 3).
Tabela 3. Religiões no Brasil – população adulta | |
Religião | No. Total de fiéis |
Católicos: Tradicionais | 61,4 |
Evangélicos: Históricos | 3,4 |
Kardecistas | 3,5 |
Afro-brasileitros: Umbanda | 0,9 |
Outras | 2,0 |
Nenhuma | 4,9 |
O resultado apresenta três milhões e oitocentos mil como o número de católicos carismáticos no conjunto da população brasileira adulta, sendo que 70% deles são mulheres; a maioria possui um expressivo contingente de donas de casa (24%), a maior parte dos que estão ocupados são funcionários públicos (22%).
Trata-se de um número muito elevado, pois era praticamente igual ao total de evangélicos que seguem as denominações protestantes históricas; sendo menos de um terço dos evangélicos pentecostais; o dobro dos católicos das comunidades eclesiais de base (CEBs); número similar ao de espíritas kardecistas; e quase três vezes o total dos adeptos das religiões afro-brasileiras.
Estudos mais recentes, contrariando alguns prognósticos da não expansão da base social da Renovação para além da classe média, indicam que o movimento também chegou às camadas trabalhadoras dos bairros populares, onde há uma tendência ao crescimento acelerado(12).
Atualmente, a Renovação Carismática encontra-se presente em todos os Estados e também no Distrito Federal, com 285 coordenações (arqui)diocesanas organizadas e cadastradas junto ao Escritório Nacional.
Em estimativa feita no final deste ano de 2005, junto às coordenações estaduais da RCC, contabilizou-se como aproximadamente 20.000 o número de grupos de oração em todo o Brasil, isto sem contar as comunidades de vida, de aliança, associações e inumeráveis outras atividades de apostolado, ligadas à RCC.
Legendas
1-Síntese realizada a partir da obra de VOLCAN, Marcos Dione Ugoski. Renovação Carismática Católica: uma leitura teológica e pastoral. Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2003.
2-Nos últimos anos, surgiram alguns estudos sobre a história da Renovação Carismática no Brasil. Entre os mais recentes citamos a obra de Ronaldo de Sousa – Instituição e Carisma: relações de poder na RCC. Aparecida: Editora Santuário, 2004. – e a de Brenda Carranza – Renovação Carismática Católica: origens mudanças e tendências. Aparecida: Editora Santuário, 2000 –, que procura detalhar esta fase inicial, avaliando também que influência e contribuição ambos os padres desempenharam no rumo que o movimento terá a partir de Campinas.
3-CHAGAS, Cipriano, OSD. A descoberta do Espírito e suas implicações para uma transformação eclesial – um estudo sobre a Renovação Carismática. Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 1976, p. 46-47.
4-Cf. RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA. A espiritualidade da RCC. São José dos Campos: Fundec, s/d., p. 14. (Módulo 1, Encontro 1).
5-Cf. Cf. Idem, Ibid.
6-Cf. RAHN, Haroldo J.; LAMEGO, Maria. J. R. Sereis batizados no Espírito. São Paulo: Edições Loyola, 1972, p. 25.
7-Cf. CARRANZA, B. Op. cit. p. 33.
8-ABIB, Jonas. Canção Nova: uma obra de Deus. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 16-17.
9-Cf. CARRANZA, B. Op. cit. p. 33.
10-Cf. PIERUCCI, Antonio Flávio; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 1996, p. 211-237. Tudo indica que esta foi, até o momento, a principal pesquisa com dados estatísticos significativos sobre a Renovação Carismática no Brasil.
11-Cf. PRANDI, Reginaldo. Op. cit. p. 34.
12-Cf. MARIZ, Cecília Loreto. Católicos da libertação, católicos renovados e neopentecostais. In: CERIS. Pentecostalismo, Renovção Carismática Católica e Comunidades Eclesiais de Base. Uma análise comparada. Cadernos do CERIS, Ano I, n. 2, p. 17-42, out. 2001.